domingo, 27 de novembro de 2016

A Odisséia de “Aquarius”




No dia 17 de maio de 2016, no Red Carpet no Festival de Cannes, Kleber Mendonça Filho, Sônia Braga e todo o elenco do filme “Aquarius” fez um protesto que tomou proporções que talvez ninguém esperaria. O elenco e equipe do filme, encabeçados por Kleber e Sônia, levantaram cartazes em que denunciavam a atual situação política no Brasil. Para o elenco e equipe envolvida no filme, o processo de Impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff era um golpe de estado. Os artistas entenderam, e muito bem, que a visibilidade do Festival de Cannes, poderia fazer o mundo olhar para o Brasil, e ver a situação lastimável que se encontrava, e ainda encontra a política Brasileira.

Esse ato totalmente lícito, válido e de importância primordial para a liberdade de escolha e para a democracia, foi visto por muitos como exagero, alguns criticaram, outros aplaudiram a atitude de Kleber, Sônia e todos os envolvidos no filme. Esse protesto foi apenas o começo de uma odisseia na qual “Aquarius” entrou, e a cada premiação, festival e indicação que o filme ganha, um novo capítulo é escrito. Dessa forma o filme se tornou um símbolo da polaridade política existente atualmente no país. Se você o ama é petralha e se o odeia é coxinha.


“Aquarius”: O Filme

Clara (Sonia Braga) tem 65 anos, é jornalista aposentada, viúva e mãe de três adultos. Ela mora em um apartamento localizado na Av. Boa Viagem, no Recife, onde criou seus filhos e viveu boa parte de sua vida. Interessada em construir um novo prédio no espaço, os responsáveis por uma construtora conseguiram adquirir quase todos os apartamentos do prédio, menos o dela. Por mais que tenha deixado bem claro que não pretende vendê-lo, Clara sofre todo tipo de assédio e ameaça para que mude de ideia.
 
Aparentemente simples, “Aquarius” é um dos mais importantes, complexos e profundo filme brasileiro dos últimos anos. O filme trata de lembranças, lutas, ideais, opressão e conquistas. Escrito por Kleber Mendonça, o roteiro de “Aquarius” é uma verdadeira odisseia, que te faz parar, pensar e refletir para o caminho em que estamos indo. O roteiro nos faz questionar se vale a pena certas atitudes, se vale a pena lutar, e até que ponto estamos dispostos a nos rebaixar ao nível de nossos opositores, para defender nossos ideais. Kleber de maneira simples, levanta esses questionamentos que incomodam e nos fazem sair da projeção do filme com uma outra visão do filme.



Com cenas memoráveis, edição cuidadosa e cinematografia perfeita, Kleber faz de “Aquarius” um filme inesquecível. Assim como em “O Som ao Redor”, em que o som era importante na composição da história, em “Aquarius” não é diferente o som faz parte da história, mas de forma diferente. Enquanto em “O Som ao Redor” Kleber faz o uso dos sons diegéticos para contar a história, aqui música conta a história. As músicas ouvidas por Clara em todo o filme mostram exatamente o que ela está sentindo, ou o que ela quer dizer. Além do som, as imagens são fundamentais para a construção da história. Nesse ponto, Kleber se mostra um diretor ainda mais maduro, que só faz uso do que realmente importa, nada está ali por acaso, tudo tem um motivo.

Mas com certeza o que torna “Aquarius” inesquecível é Sônia Braga. A atriz que andava em baixa, tem um retorno retumbante as telonas, com o seu melhor personagem. Com Clara, Sônia deixará de ser a eterna Gabriela ou a Dona Flor, e entra para o Hall das atuações mais memoráveis da história do cinema. Sônia apenas com o olhar consegue dizer tudo. Um gesto, um sorriso, um olhar, diz muito mais aqui do que palavras. Sônia criou uma personagem batalhadora, determinada, que acredita nos seus ideais, e que mesmo que pareça que estar errada, você fica do lado dela, porque ela é cativante, mas acima de tudo ela é humana. Clara é ao lado de Val de “Que Horas Ela Volta?”, a personagem mais importante dos últimos anos no cinema nacional. Batalhadoras e determinadas, elas traçam um perfil da mulher brasileira, que luta para conseguir o que acredita, e luta para o bem de sua família, mesmo que isso envolva sofrer. E Sônia consegue com maestria fazer de Clara não uma velha de 65 anos, mas uma mulher forte e determinada que vai à luta e em busca do que acredita.


“Aquarius”: As Possibilidades

Todo aquele que assistir “Aquarius”, e todos devem assistir, verá a sua frente, duas possiblidades. Uma explícita e menos política, e uma outra implícita e extremamente política. Essa visão vai depender muito de quem você é, de qual a sua formação.

A primeira visão explicita, é a de uma construtora que quer a todo custo “revitalizar” uma grande cidade, com prédios modernos e luxuosos. Essas construtoras, sem pensar no patrimônio cultural e histórico das cidades envolvidas, destroem casarões, prédios, praças, matas, espaços públicos e históricos, única e exclusivamente para ganhar mais dinheiro. E isso é ilustrado pelo filme. Logo no início vemos fotos de Recife, da orla, de como a cidade era no século passado. Quando vamos para a atualidade, somos jogados numa cidade moderna, em que os prédios históricos são substituídos por prédios modernos e luxuosos. Só permanece ali Clara e Aquarius. Eles são o símbolo da resistência contra aqueles que lutam contra o patrimônio histórico de uma cidade.

E diferente do que muitos pensam, essas pessoas, não são avessas a modernidade, mas são a favor de se manter o patrimônio histórico intacto. São lembranças, histórias e tradições que vão prédio abaixo quando um desses é implodido. Nesse ponto, “Aquarius” se torna universal, ao mostrar até que ponto as grandes corporações são capazes de ir para conseguir seus objetivos, e o quanto estão preocupadas com o patrimônio histórico e cultural do seu povo. “Aquarius”  dessa forma, é um filme universal, que fala com todos os povos, em especial aqueles que lutam para a permanência de uma cultura que aos poucos vai deixando de existir.


A segunda visão de “Aquarius” é implícita e extremamente política. A trajetória de Clara faz um paralelo com o da ex-Presidente Dilma. Um paralelo com tudo que ela passou até chegar ao processo de Impeachment. Clara é a personificação de Dilma e sua luta para não perder o que por de direito é dela. Assim como Dilma, Clara se recuperou de um câncer. Não apenas se recuperou, mas se tornou mais forte. Ambas “herdaram” algo de um mentor, alguém que foi importante em suas vidas, e que lhes fizeram ser quem são. No caso de Dilma, temos Lula e a presidência da república, e no caso de Clara, tia Lúcia e o apartamento no edifício Aquarius. E é a “herança” de seus mentores, que seus opositores querem tirar a todo custo.

Enquanto Dilma lutava contra o PSDB, PMDB, DEM e muitos outros, Clara lutava contra a construtora que queria a todo custo lhe retirar o apartamento. E assim como a construtora usava métodos baixos e absurdos para tomar o apartamento de Clara, os oponentes de Dilma usaram de argumentos baixos para tirá-la do poder. Políticos que assim como Diego, o engenheiro da cosntrutora, pareciam bondosos, educados e compreensivos, dispostos ao diálogo, mas depois de algum tempo se mostram ser o pior de todos eles.

Mas assim como Dilma, Clara não desistiu, lutou até o fim, com o apoio de poucos, mas lutou. Clara está para Dilma assim como o apartamento no edifício Aquarius está para presidência da república. Em forma metafórica Kleber conseguiu mostrar um pouco do circo que virou a política Brasileira. Uma política que é capaz de usar de métodos baixos, sujos e ilegais, tal qual a orgia que ocorre no apartamento de cima ao de Clara, ou a contaminação feita no edifício, para conseguir seus objetivos.



"Aquarius": O retrato do País

“Aquarius” é sem dúvida nenhuma o filme mais importante para o cinema nacional desde “Cidade de Deus”. Um filme que é simples porém complexo e profundo, que mostra o retrato da situação que vivemos. Onde não podemos nem sequer fazer um protesto, não podemos falar nada contrário a maioria ou fazer algo diferentes, que já somos apedrejados.

Veja o caso do protesto em Cannes. Após esse protesto “Aquarius” sofreu boicote. O órgão responsável pela classificação etária no Brasil, classificou o filme como 18 anos. E apena após protestos, ela foi reduzida para 16 anos. Essa classificação 18 anos não se fazia justa, as cenas de nudez do filme, são tão curtas que não fazem diferença nenhuma de tantos outros filmes com cenas bem mais pesadas e fortes com classificação 16 anos. O filme ainda sofreu boicote de pessoas favoráveis ao Impeachment, chegando ao ponto de “sites de notícia” noticiar falsamente o fracasso nas bilheterias de “Aquarius”.  Enquanto o filme fez mais de 340 mil telespectadores, para um filme nacional que não é uma comédia global, é um feito e tanto.

E claro, como esquecer a escolha do MINC de “Pequeno Segredo” para concorrer a uma vaga ao Oscar ao invés de “Aquarius”? Uma escolha um tanto quanto equivocada, quando se vê a carreira de “Aquarius” no exterior, que acaba de ser indicado ao Independent Spirit Award de Melhor Filme Estrangeiro. Claramente a escolha foi política e uma retaliação ao protesto em Cannes.
Esses casos mostram claramente o quanto “Aquarius” é atual e real, uma metáfora para a situação atual em que vivemos. Por exemplo, no filme, Clara pinta a fachada do prédio, e é notificada sobre isso, porque pintou a fachada sem a autorização dos condôminos. Na vida real, a equipe faz um protesto totalmente válido e lícito, e sofre retaliação do governo. E a liberdade de expressão e escolha onde fica?



Conclusão

“Aquarius” com polêmicas e êxitos, é sem dúvida nenhuma o filme mais importante do cinema nacional dos últimos anos. Além de discutir temas atuais da nossa política, discute temas universais que afetam o mundo todo. Kleber conseguiu com maestria nos entregar um filme que é universal sem deixar de ser uma visão do Brasil atual, um filme simples mas complexo, e extremamente político sem levantar uma bandeira partidária. Sônia nos entregou sua melhor performance de sua longa carreira, e colocando Clara no Hall de grandes personagens do cinema mundial.

Se a retomada do cinema nasceu com “Carlota Joaquina: A Princesa do Brasil” de 1995, em 2016 vinte um anos depois o cinema nacional chega a maioridade com “Aquarius”.



sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Trapaça



Desde que dirigiu O Vencedor David O. Russel se tornou o queridinho da Academia. Seus últimos quatro filmes, conseguiram vinte e sete indicações ao Oscar, entre essas três de Melhor Filme, três de Melhor Diretor e doze para seu elenco, tendo ganhado três Oscars (Ator e Atriz Coadjuvante para Christian Bale e Melissa Leo em O Vencedor e Atriz para Jennifer Lawrence em O Lado Bom da Vida). Mas será que o diretor merece toda essa comoção? A julgar por Trapaça não. Essa é sua obra mais medíocre. Ainda estou tentando entender porque o filme recebeu tantos prêmios na época.

Trapaça, que teve sua história inspirada em um caso real, conta a história de Irving Rosenfeld (Christian Bale) um grande trapaceiro, que trabalha junto com sócia e amante Sydney Prosser (Amy Adams). Os dois são forçados a colaborar com um agente do FBI (Bradley Cooper), infiltrando no perigoso e sedutor mundo da máfia para ajudar a prender alguns criminosos. Ao mesmo tempo, o trio se envolve na política do país, através do prefeito de Nova Jersey, Carmine Polito (Jeremy Renner) que é um político corrupto, embora seja um bom pai de família e bom para comunidade, e através dele eles passam a chegar a grandes nomes da política americana também envolvidos em escândalos de corrupção.

Embora tenha uma história aparentemente interessante, David O. Russell não conseguiu dar o charme necessário para história, tornandoa-a realmente interessante. Algo já aconteceu com vários outros filmes de Hollywood, como por exemplo nos filmes do mestre Scorsese, em especial em Os Bons Companheiros, que a todo momento David O. Russell tentou emular. Não nego que David O. Russell seja um excelente diretor de atores. O elenco está afiadíssimo em especial Amy Adams,que já vinha se firmando como uma grande atriz, algo que ninguém hoje mais duvida. Amy construiu uma personagem sensual sem ser vulgar, frágil sem ser fraca, e de uma importância absurda a trama. Outro destaque é Jennifer Lawrence que novamente deu um show de interpretação como Rosalyn a mulher desequilibrada de Irving (Christian Bale, que diga-se de passagem está muito bem), tudo bem que Rosalyn parece a versão mais velha e mais desequilibrada de Tifanny de O Lado Bom da Vida, mas nada que tenha estragado a performance da atriz. Mas o grande nome do filme é Jeremy Renner que construiu um personagem corrupto, mas que você entende suas ações, e até ficando do lado dele, torcendo por ele durante todo filme. Sério mesmo, ao fim do filme, cheguei a ter pena daquele político corrupto. Algo difícil de acontecer para quem mora no Brasil. Mas Jeremy Renner estava tão bem, que me convenceu. Parecia um politico de verdade.



Mas embora o elenco esteja afiado e entrosado o filme em momento algum decola. Em momento algum me senti envolvido na trama e imerso naquele mundo da máfia, como ocorre fácil em Os Bons Companheiros. Algo que contribuiu para isso foi a narração em off usada em exautão, como em Os Bons Companheiros, mas lá funciona, já aqui... David O. Russell parece que quis fazer um filme didático, explicando cada detalhe do que aparece na tela, do que está acontecendo, e cada detalhe da vida dos personagens, para tornar a história mais real aos nossos olhos, o que realmente não era necessário. Nada contra narrações em off, em alguns momentos elas são realmente necessárias, mas ele usou em momentos chaves da história que simplesmente te tiram do filme e estragam a experiência. Ele simplesmente subestima a inteligência do telespectador.

Outra coisa que te tira do filme várais vezes, a ponto de incomodar, foi o uso excesivo de música. Embora as músicas escolhidas sejam espetaculares, ela aparece em momentos aleatórios que em nada ajudam no desenvolvimento da história e te tiram completamente da projeção. Talvez o único acerto é o momento em que Jennifer Lawrence canta "Live and Let Die", que talvez seja a única sequência do filme que eu tenha realmente gostado. Naquele momento os sentimentos de Rosalyn são os passados pela música, ela canta e dança de forma desordenada e louca, como se estivesse falando com você e conseguimos entender o que ela está sentindo naquele momento. Fora isso, as músicas são simplesmente lançadas de maneira desordenada e sem sentido, prejudicando o momentos chaves da produção.



Mas muito se falou da maquiagem, direção de arte e figurino do filme. Realmente a maquiagem é fantástica em especial de Christian Bale, que mesmo tendo engordado para o filme, ainda usou protese capilar e maquiagem pesada, que em nada lembra o Batman. A direção de arte é realmente muito boa, a reconstituição de época é perfeita, você realmente acredita que o filme se passa nos anos 70. Quanto ao figurino, é muito bom. Mas tenho um problema sério com ele, o decote excessivo de Amy Adams, em vários momentos não consegui prestar atenção ao filme, só conseguia olhar para o decote dela, e isso me fez novamente sair do filme. Mas no mais o figurino é com certeza um dos melhores que vi em filmes que destacam uma determinada época no século 20.

Realmente Trapaça tem seus méritos, elenco, direção de arte, figurino, maquiagem, mas isso não faz dele um grande filme. Como comecei esse texto o filme é realmente medíocre por conta de vários pontos que já falei, e em especial por um roteiro confuso, cheio de idas e vindas dos personagens, com um conceito totalmente corrupto, isso fica claro em uma das falas do personagem do Christian Bale, ele diz que os 'políticos pegaram sim dinheiro com os mafiosos, dinheiro sujo, mas foi para fazer o bem pra população, e isso é descupável', então você pode cometer um crime desde que seja pra ajudar outros? Além do que o filme começa dizendo que o filme foi inspirado numa história real, mas ao fim da projeção fala que tudo aquilo é uma ficção, o que faz com que o telespectador se sinta enganado. Se esse foi o objetivo do diretor, me desculpe não funcionou. Na verdade ele simplesmente chama cada um daqueles que estão ali sentados assistindo ao seu filme de burros, ele subestima a inteligência do telespectador, achando que não conseguimos distinguir o que é real do que é ficção. Trapaça é uma verdadeira Trapaça, que muitos americanos caíram,mas não a Academia. O Filme foi indicado a 10 categorias Oscars, e não levou nenhuma. Entrando assim para o recorde negativo de um dos maiores perdedores do Oscar com 10 derrotas, juntando-se a Gangues de Nova York e Bravura Indômita ambos com 10 derrotas, mas ficando atrás de Momento de Decisão e A Cor Púrpura que são os maiores perdedores ambos com 11 indicações e nenhum prêmio.

Mas parece que a Academia e Hollywood se desencantou com David O. Russell seu último filme Joy, conseguiu apenas uma indicação ao Oscar e apenas um Globo de Ouro para Jenifer Lawrence. É David O. Russell é bom se reinventar senão será apenas mais um em Hollywood.


quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Open Grave



"Open Grave" é um filme dirigido por Gonzalo López-Gallego (Apolo 18), e tem no elenco formado por ilustres desconhecidos do grande público: Sharlto Copley (Elysium e Distrito 9), Erin Richards (da série Gotham), Joseph Morgan (das séries The Vimpire Diaries e The Originals), Thomas Kretschmann (O Pianista, King Kong e O Procurado) Josie Ho e Max Wrosttley. E essa talvez seja a grande virtude no filme, contar com um elenco desconhecido.

O filme começa com um desconhecido (Copley) acordando em um imenso buraco cheio de corpos. Ao acordar ele não sabe quem é, o que faz ali e pior ainda se ele é o responsável por aquelas pessoas estarem mortas. Uma garota muda (Ho) então joga uma corda para salvá-lo, o que o leva a encontrar  uma casa no meio do nada com mais quatro pessoas (Richards, Morgan, Kretschmann e Wrosttley), que assim como ele, não se lembram quem são, porque estão ali, se estão ligados entre si, se têm alguma coisa a ver com a grande cova aberta, não sabem nada. A única coisa que sabem, são seus nomes, isso porque ainda estão com seus documentos. A partir daí começamos a acompanhar a luta dos cinco para descobrir quem são, o que estão fazendo ali e quais são os perigos que os aguarda.



Não posso dar mais detalhes do filme porque esse é daqueles filmes que quanto menos souber melhor é. Mas posso adiantar que esse é um filme tenso, do começo até quase no fim. E uma das maiores virtudes do filme  é o fato de não conhecermos os atores, e com isso nos tornamos seus cúmplices. Não sabemos nada deles apenas temos a impressão de que já os vimos mas não sabemos onde. O fato de não termos nenhum detalhe sobre o passado deles e começarmos a descobrir a história deles juntos com eles ajuda a criar um laço com os personagens que faz com que desconfiemos e torçamos por eles, que achemos que um é o bandido o outro é o mocinho e vice versa. Isso porque passamos a saber das coisas aos poucos em alguns flashes que não  mostram nada ou quase nada, o que nos fazem tirar conclusões que nem sempre são corretas. Essa é a maior virtude do filme e de seu roteiro revelar as coisas de forma lenta e desencontrada.

Outro ponto positivo do filme se dá no fato de o diretor e roteiristas não abusarem dos clichês comuns dos filmes de terror e suspense. Isso contribui para que o filme seja tão tenso, porque você não sabe o que vai aparecer e como vai aparecer. Na verdade há momentos que você fica esperando algo surgir na tela e nada aparece, o que aumenta a tensão. Outro destaque positivo do filme é a falta de trilha sonora, praticamente em todo o filme ouvimos apenas os sons diegéticos do ambiente, ou seja, que os personagens estão ouvindo. E quando a trilha sonora é usada, é de forma tão discreta que só contribui para o clima de tensão que o roteiro criou.



Mas o grande problema do filme é justamente uma de susas virtudes: a tensão criada. O filme vai construindo a tensão de forma genial. Tensão essa que só vai crescendo no decorrer do filme. Mas, infelizmente em algum ponto do filme, o diretor não soube aproveitar o que tinha nas mãos. E a tensão, criada de forma magistral, vai se esvaindo, nos levando a uma conclusão fraca e bem abaixo de tudo aquilo que já tinhamos visto até aquela momento. O diretor simplesmente perdeu o controle da história, e o com isso o filme caiu, e muito, de qualidade. Outra coisa que me incomodou foi o final auto explicativo. Talvez se tivessem deixado o final em aberto, ou até memos explicado mas de forma mais concisa, por deixar explícito apenas o que já tínhamos visto em cena e o restante para nossas próprias conclusões, o final provavelmente seria mais satisfatório.

Com isso o que poderia ser um grande filme independente de suspense com toques de terror, acaba se tornando um filme mediano, que agrada em quase toda a projeção do filme, mas que ao chegar ao final se torna uma grande decepção.

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

"Precisamos Falar Sobre Kevin" e o uso explícito do vermelho



ATENÇÃO: Contém Spoilers!

Dirigido pela escocesa Lynne Ramsay, o filme que tem no elenco Tilda Swinton (Conduta de Risco), John C. Reilly (Chicago), Ezra Miller (As Vantagens de Ser Invisível), entre outros. Precisamos Falar Sobre Kevin conta a história do difícil relacionamento entre uma mãe Eva, (Swinton), e seu filho, Kevin (Jasper Newell/Ezra Miller). O filme conta com três linhas de narrativas, mostra a atualidade onde vemos Eva tentando reconstruir sua vida enquanto sofre violência na rua, vandalismo de seus vizinhos e com seus próprios sentimentos, na segunda linha somos apresentados  a uma Eva diferente da atual, que está feliz no casamento, tem uma vida equilibrada e bem sucedida, até que engravida de Kevin e a partir do seu nascimento começamos a ver o relacionamento de mãe e filho desde recém nascido, passando a infância e chegando a adolescência e na terceira linha vemos um evento ocorrido na escola de Kevin, no qual ele está diretamente envolvido, e somos levados a essa linha sempre que Eva vê alguém que esteve envolvido naquele evento.


Quando o filme começa somos a logo apresentados a uma cor que será recorrente no filme todo. O Vermelho. Vemos Eva jovem, confiante e feliz na tradicional festa do tomate na Itália. Ela está toda suja com o vermelho dos tomates. Nesse momento somos levados a atualidade onde vemos uma Eva decadente, dependente de remédios e de vinho. Ao se levantar ela percebe que sua casa foi alvo de vândalos que jogaram tinta vermelha na casa. Que a remete a terceira linha narrativa, quando vemos uma Eva bem sucedida que recebe uma ligação e sai em desespero pelos corredores do trabalho e aperta o botão do elevador que é Vermelho.

A todo momento a cor vermelha é destacada no filme. Mas por que? Na maioria das culturas e religiões o vermelho é símbolo do pecado, do sangue, do ódio, do mal, da guerra. Tanto é assim que muitos diretores usam a cor vermelha para identificar seus vilões. Dessa forma podemos entender o vermelho como a presença de algo ruim, da morte e da culpa na vida de Eva. É interessante que a partir do momento que Kevin nasce o vermelho vai se tornando cada vez mais presente na vida de Eva. É um abajur, um vestido, uma camisa, uma bola, a cada vez que vamos ao passado e vemos Eva, o vermelho está ainda mais presente na sua família. Enquanto isso na Eva da atualidade vemos ela tentando se livrar do vermelho. Em uma  cena logo no início do filme, Eva entra no seu carro e limpa o vidro que está coberto de tinta vermelha, e fica tudo embaçado, é como se a diretora nos quisesse mostrar, o quão difícil está a vida para Eva, por conta da culpa, simbolizada pela tinta vermelha que embaça a visão dela, dificultando que ela prossiga no seu caminho.


A cada ida ao passado o vermelho parece mais presente e a cada volta a atualidade vemos Eva se esforçando ainda mais para se livrar do vermelho, em todos os aspectos de sua vida. Mas porque o vermelho está cada vez mais presente no passado? Já parou para se perguntar porque o filme se chama Precisamos falar sobre Kevin? Imagine se no primeiro momento em que Eva percebeu que Kevin não era uma criança comum, seu marido (Reilly) tivesse lhe dado atenção ao invés de falar que ele era uma criança como outra qualquer, dócil? E se Eva ao invés de procurar apenas um médico tivesse procurado um outro especialista? E se Eva tivesse insistido que seu filho tinha problemas? E se eles tivessem falado um com o outro Precisamos Falar Sobre Kevin? Tudo poderia ter sido diferente. E já que a cada momento que voltamos ao passado o problema aumenta, e a culpa aumenta, e automaticamente o vermelho aumenta. O único momento em que os pais conversam sobre Kevin, já é tarde demais. 

Na atualidade Eva tenta se livrar da culpa, tentando tirar o vermelho da sua vida, mas a cada vez que ela tenta recomeçar parece que algo a lembra do passado. Como na cena da festa de natal, Eva parece feliz e sorri, o rapaz que parece gostar dela se aproxima, mas quando ela se recusa a dançar, ele a lembra do passado e a culpa retorna no vestido, no prato que ela deixa em cima da cadeira. Ou então no momento em que ela está fazendo compras e vê a mãe de um das vítimas, ela encosta em uma prateleira cheia de latas vermelhas, é como se a culpa a estivesse consumindo novamente.


E conforme o filme vai passando vamos entendendo o que aconteceu. Somos surpreendidos ao ver que o ataque de Kevin a escola, não foi com uma arma de fogo, mas com a arma do herói da história que sua mãe lhe contou em um dos raros momento de paz que tiveram, a mesma arma que ele atirou contra a janela quando era criança, enquanto a mãe estava na cozinha. Um arco e flecha, a arma de Robin Hood.


Até que sequência final somos apresentados de forma explícita ao que realmente ocorreu. Quando Eva chega na escola, ela descobre que seu filho atacou os alunos com a arma que ele ganhou de presente de natal: um arco e flecha. Uma verdadeira afronta a mãe, já que aquela era arma do herói da história que Eva contava para ele. Quando ela chega em casa, ela está com uma roupa branca. Branco é símbolo de pureza, inocência e paz. Até aquele momento, Eva se acha inocente de tudo. Até que ela vê que seu marido e sua filha também estão mortos, mas antes de vermos eles mortos, vemos Eva entrando em casa toda suja do sangue de sua filha e seu marido. Naquele momento a culpa, simbolizada pelo vermelho do sangue, tomou conta de Eva, e ela se entregou a isso. Por isso a vemos tão acabada e derrotada na atualidade.
Quando ela começa a limpar a casa, chegando a limpar as janelas com uma lâmina de barbear, ela está mostrando que quer se recuperar. E note o seguinte: logo depois da cena em que ela deita na cama com a roupa suja de sangue se entregando a culpa, voltamos pra atualidade, e a vemos limpando o vermelho da casa, logo em seguida ela passa as camisetas de Kevin, ela então abre a cômoda, e vemos uma camisa vermelha, que ela cobre com uma das camisetas brancas, com detalhes em vermelho que ela acabou de passar, ela então fecha a cômoda que é branca. É como se ela tivesse dizendo pra culpa, que ela vai seguir em frente, não vai deixar que ela a consuma mais. Nesse momento, ela sai de casa e vai visitar o filho, e pela primeira vez vemos uma cena sem elementos vermelhos. Quando finalmente ela consegue conversar com ele, e ele tem um resquício de humanidade e a abraça chorando, somo cortados para fora em uma placa branca escrito EXIT (Saída) em vermelho. Naquele momento vemos no rosto dela a sensação de alívio, e os detalhes vermelhos no corredor vai ficando pra trás, cada vez mais desfocados, a câmera então mostra a saída, uma parede branca, que quase ofusca a visão. É como se Eva tivesse finalmente se livrado da culpa, e agora ela vai conseguir viver. Esse final emblemático, mostra que Eva deixou tudo pra trás e quer recomeçar sem se afetar pelo passado.

Precisamos Falar Sobre Kevin é realmente um filme sensacional. A forma como a diretora construiu a história, usando o vermelho como metáfora para culpa é explícita, mas funciona. Mas um dos grandes méritos desse filme, que além de roteiro, fotografia, direção de arte, som e atuações extraordinárias, nos leva a pensar e tirar nossas próprias conclusões sobre o que acabamos de ver.

É interessante e assustador ver como tudo chegou aquilo. O fato que desde o primeiro momento da gravidez, Eva parece não estar feliz, e quando o bebê nasce, ele já nasce com as consequências do seu desprezo na gravidez. Mas o que mais chama a atenção, é a passividade do pai. Ele não dá atenção ao que Eva diz e por isso tudo chega a um fim trágico para todos, e principalmente para vítimas inocentes. Se ele tivesse ouvido Eva quando ela disse Precisamos Falar Sobre Kevin, se ela tivesse insistido nisso, se tivessem procurado ajuda, tudo seria diferente. O pior é saber que isso acontece na realidade. Quantos Kevins não existem? Se os pais parassem e falassem mais vezes Precisamos Falar Sobre Kevin, muita coisa seria diferente.




sábado, 2 de julho de 2016

Primeiras Impressões: Série "Slasher"


Parece que fazer séries de TV do gênero Slasher realmente está na moda. Depois de "Scream" série baseada na franquia do cinema Pânico, e da nova série dos criadores de "Glee"Ryan Murphy, Brad Falchuk e Iann Brennan, "Scream Queens", ambas as séries renovadas para segundas temporadas, inclusive "Scream" já está passando na TV Americana e já está sendo disponibilizada pela Netflix, foi a vez do canal americano Chiller, especializado em programação de horror, suspense e thrillers, levar ao ar sua primeira série original e do gênero "Slasher". A série recebeu críticas positivas dos críticos americanos que destacaram em especial o elenco e as mortes sangrentas. Eu assisti os primeiros quatro episódios da série. E agora conto pra vocês o que achei. 

"Slasher" conta a história de Sarah Bennett (Katie McGrath) cujos os pais foram brutalmente mortos no Hallowen de 1988, por um assassino mascarado, vestido de carrasco, sendo ela a única sobrevivente. 28 anos depois Sarah junto com seu marido Dylan (Brandon Jay McLaren) volta a sua cidade natal, para morar na mesma casa onde seus pais foram mortos. Com a chegada de Sarah a cidade, uma nova onda de crimes começa a ocorrer por um novo assassino que também usa uma roupa de carrasco. E de alguma forma Sarah se vê envolvida em cada um dos crimes.


Como deu pra perceber a série não trás nada de novo. É a mesma história que já vimos em vários filmes e séries do gênero. E os clichês estão todos ali e usados com exaustão. Cidade pacata e pequena que é aterrorizada por um assassino mascarado. Os motivos dos crimes são religiosos e cometidos com base nos pecados capitais. Temos a mocinha com traumas e sai sozinha a noite. Sombras que aparecem no fundo. Barulhos que chamam atenção ao fundo. Personagens que se separam. Pessoas que aparecem do nada e causam um enorme susto. E segredos guaradados por todos os personagens. Todos os clichês estão ali. Mas não que isso seja ruim. Na verdade eles são bem utilizados. Os clichês não são artificiais e você os compra. Eles são muito bem utilizados mesmo que com exaustão. Funcionam muito bem.

Mas, a série não é perfeita. Tem vários problemas em especial no enredo. Quando em sã consciência uma pessoa voltaria para casa onde seus pais foram brutalmente assassinados? Essa história não colou, principalmente quando o marido deixa o emprego na cidade para trabalhar no único jornal da cidade cujo a manchete de capa é a volta da esposa a cidade depois de 28 anos. Outra coisa é a "amizade" de Sara com Tom Winston (Patrick Garrow) o assassino de seus pais. Sim, "amizade", do nada Sarah resolve dar uma de Clarice Starling, e pede ajuda a um psicopata, e não qualquer psicopata, mas o assassino dos pais, para poder pegar o novo Carrasco. Outra coisa que incomoda é o fato de começarem a criar problemas entre os casais da série para que possam forçar um romance entre Sarah e Cam (Steve Byers), o policial amigo de infância de Sarah.


Mas talvez o maior acerto da série é mudar o gênero Slasher. O gênero é marcado por personagens jovens, adolescentes, cheios de dúvidas e incertezas que a adolescência trás, disputas para saber quem é a mais popular, quem vai ficar com aquele(a) garoto(a). Aqui não somos apresentados a personagens adultos, maduros, e bem sucedidos. Nada de gritos estridentes quando aparece um corpo ou o carrasco aparece, nada disso. Os personagens são bem resolvidos. Todos têm empregos, carros, casas e uma vida bem estabelecida. O que faz com que aquelas pessoas ali possam realmente existir.

Outro grande acerto da série foi a escolha de seus atores. O elenco foi muito bem escolhido. Com destaque para Katie McGrath (Sarah) que faz uma mocinha que embora tenha traumas é forte, determinada e cativante, você se envolve com ela e teme por ela e torce por ela, nada de uma mocinha frágil comum no gênero, Sarah é forte e determinada. Patrick Garrow (Tom Winstom) é outro acerto, é daqueles típicos psicopatas que você nunca sabe se quer te ajudar ou te ferrar, a atuação dele muitas vezes só com o olhar é marcante. Outro destaque é Brandon Jay McLaren que faz Dylan marido de Sarah, ele consegue fazer um personagem cativante com múltiplas facetas e camadas que a cada cena vai se revelando e fazendo com que você queira saber mais dele. Na verdade o elenco como um todo está muito bem. Com exceção talvez de Jessica Sipos (June) que faz a esposa de Cam mas talvez por não ter muito espaço para poder desenvolver sua personagem.



Outro ponto  a favor do filme é a direção dos episódios, Craig David Wallace dirigiu todos os episódios, e mostra segurança e mostra que sabe o que fazer e o que quer fazer. Craig consegue tirar o melhor de seus elenco, nos entregando personagens cheios de camadas que nos faz querer saber cada vez mais sobre eles. A edição também é um caso a parte, de forma dinâmica e com planos sequências espetaculares, nos envolve com a história, e não deixa de nos deixar tensos e com medo do que irá aparecer. O roteiro embora tenha errado em alguns casos como já falei acima, ainda sim é genial em dois aspectos: 1º diferente de quem é o assassino, o roteiro faz te perguntar, quem é o próximo, porque ele será assassinado, qual pecado ele cometeu, e como cometeu. Ele consegue te deixar curioso pra próxima cena e o próximo episódio. 2º as mortes são talvez as mais criativas e angustiantes do gênero. Além da primeira morte ser chocante, temos mortes que inclui esquartejamentos, afogamentos, envenenamento e, pra mim a pior de todas, serpentes. E não são como já foram feitas antes, mas são feitas de forma que você se sinta incomodado e sinta agonia com as mortes. Por exemplo, a morte por envenenamento foi simplesmente genial aforma como foi realizada, causa incômodo, agonia.

Ou seja, com erros e acertos, "Slasher" é uma série muito boa, que vale a pena ser conferida. Ela faz tudo que uma série do gênero deve fazer, te deixa tenso, curioso, e querendo assistir o próximo episódio para saber onde aquilo vai chegar e quem será o próximo, e qual pecado ele cometeu, e como será sua punição, na verdade saber quem é o assassino é só um detalhe que talvez nem te faça querer assistir a série até o fim. Vale muito a pena conferir a série, principalmente se você é fã do gênero Slasher, porque embora esteja recheados de clichês  dá um novo fôlego ao gênero e quem sabe isso não crie novas regras e novos caminhos ao gênero Slasher que está tão batido e desgastado.